Apresentação

Gerar, disseminar e debater informações sobre NUTRACÊUTICOS, sob enfoque de Saúde Pública, é o objetivo principal deste Blog produzido no Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde - LabConsS da FF/UFRJ, com participação de alunos da disciplina “Química Bromatológica” e com apoio e monitoramento técnico dos bolsistas e egressos do Grupo PET-Programa de Educação Tutorial da SESu/MEC.

Recomenda-se que as postagens sejam lidas junto com os comentários a elas anexados, pois algumas são produzidas por estudantes em circunstâncias de treinamento e capacitação para atuação em Assuntos Regulatórios, enquanto outras envolvem poderosas influências de marketing, com alegações raramente comprovadas pela Ciencia. Esses equívocos, imprecisões e desvios ficam evidenciados nos comentários em anexo.

domingo, 13 de julho de 2008

É natural, então não faz mal?


Esse é um exemplo de produto nutracêutico, ele é composto de parte de um alimento processado (casca de maracujá torrada e pulverizada), porém é vendido na farmácia, incorporado em uma forma farmacêutica (cápsulas), possui dose, posologia e indicação terapêutica (leia mais no texto que segue), mas não tem bula e não exige prescrição.
Apesar de todo aspecto “medicamentoso e terapêutico” que apresenta, ele é registrado como alimento, o que, realmente, ele não deixa de ser. O que o famoso dito popular diz: “é natural, então não faz mal”, basta para justificar o fato desse produto poder ser vendido nessas condições? Isso se aplica nesse caso? Como e por que isso acontece? O que a legislação brasileira dispõe sobre isso?

Tentaremos discutir essas questões sob a ótica científica de profissionais farmacêuticos, analisando os aspectos farmacológicos e regulatórios que regem essa classe de substâncias utilizando como exemplo ilustrativo o produto supra citado.

A primeira dúvida que surge ao escutarmos o termo “nutracêuticos” sai naturalmente: o que eles são? O próprio nome nos leva a diversas interpretações, “nutra” deve vir de alimentos e “cêuticos” de farmacêutico, ou seja, é um “alimento que faz bem”? Nesse caso, que seriam então os alimentos funcionais? É a mesma coisa chamada por nomes diferentes? O que determina então a utilização de um nome ou outro?
Aparentemente “nutracêuticos” foi um termo criado para definir e classificar, assim podendo regular uma classe de produtos que já estava sendo lançada no mercado e amplamente consumida. Esses eram os produtos naturais vendidos em farmácias com um fim terapêutico, mas que não eram medicamentos fitoterápicos.
Não é de hoje que inúmeras tentativas de se definir esse tipo de substâncias vêm sendo feitas, e na maioria das vezes elas se vêem frustradas, pois deixam de incluir algo aqui ou ali, não abrangem determinadas classes ou não dão a esses produtos a importância devida (leia mais sobre isso no artigo do LabConS).
Como não há ainda na legislação brasileira uma definição exata para tais termos, poderíamos tentar uma diferenciação baseada na tese de MORAES F. P. e COLLA, L. M., que discute esse assunto (clique aqui para ver o texto). Essa tese sugere que alimentos funcionais são “alimentos combinados com moléculas biológicas ativas, que irão afetar beneficamente uma ou mais funções alvo no corpo agindo preventivamente, além de possuir efeitos nutricionais”. Já os nutracêuticos, são “alimentos ou parte de alimentos que irão proporcionar benefícios médicos e de saúde, para prevenir e/ou tratar doenças. Podem ser desde nutrientes isolados, suplementos dietéticos na forma de cápsulas, ate os produtos herbais e alimentos processados como cereais, sopas e bebidas.”
Por essa definição poderíamos classificar o nosso produto como um nutracêutico, pois é um alimento (oriundo de uma fruta) vendido sob forma de cápsulas com um fim terapêutico, que é a diminuição do nível de colesterol, auxílio no bom funcionamento do sistema gastro-intestinal e no tratamento de diabetes (hipoglicemiante).
Ué, mas se é tão bom assim e se tem comprovada ação farmacológica, por que então nutracêutico e não medicamento? Essa é a questão que você deve estar se perguntando. O fato é que no Brasil é muito mais simples registrar um alimento do que um medicamento. Como pode ser visto na Resolução nº 16, de 30 de abril de 1999, o registro de um alimento exige muito menos documentos, ensaios e comprovações do que o de um medicamento, que no caso seria fitoterápico, regido pela RDC nº 48, de 16 de março de 2004, que pede, por exemplo, declaração da definição botânica no rótulo, o que não se vê no produto acima.
Apesar de essa legislação estar disponível para consulta do público na página da ANVISA, é sabido que os potenciais consumidores desse tipo de produto não irão procurá-la e como não há na legislação nada que impeça a comercialização desses alimentos com “cara de medicamento”, os fabricantes se utilizam desse artifício para tornar o seu produto mais atraente, ou seja, que aparente mais com algo que pode ter uma ação terapêutica.
Outro artifício utilizado na tentativa de conquistar o consumidor é a declaração “produto natural”, constante nesse rótulo. Com isso nada foi afirmado sobre o mecanismo de ação desse produto no organismo (claro, pois se tem ação farmacológica tem um mecanismo), mas apóia-se na crença popular de que o que é natural não faz mal. Ora, se tem uma ação farmacológica pode ter certeza de que terá um efeito colateral associado. Não existe produto, nem intervenção humana nenhuma capaz de imitar perfeitamente a natureza, portanto se altera uma função em um local (que pode ser entendida como benéfica), a mesma função exercida em outro local do organismo pode ser prejudicial.
Nesse contexto, vale ressaltar que o mecanismo de ação sugerido pelo próprio produto diz “que ao ser ingerida pelo organismo forma um gel, dificultando a absorção de carboidratos, da glicose produzida no processo digestivo e também, das gorduras”. Ou seja, dificulta a absorção de nutrientes essenciais do organismo e não precisa ser nenhum especialista para concluir que o uso indiscriminado pode gerar uma desnutrição.
Por fim, para concluir, podemos afirmar que o fato de um nutracêutico ser a princípio um produto natural esse fato não o isenta da necessidade de uma legislação que o obrigue a declarar não somente suas ações terapêuticas, mas também os possíveis efeitos colaterais. E tendo isso em vista, nota-se a deficiência da legislação brasileira na regulação desses produtos e a necessidade da criação de normas mais rígidas de controle visando o bem estar da população.
Referências Bibliográficas:
ANVISA - Resolução nº 16, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico de Procedimentos para registro de Alimentos e ou Novos Ingredientes, constante do anexo desta Portaria.
ANVISA - Resolução nº 19, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico de procedimentos para registro de alimento com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua rotulagem.
ANVISA - Resolução RDC nº 48, de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos.
Artigo - MORAES F. P. e COLLA, L. M / Revista Eletrônica de Farmácia Vol 3 (2), 99-112, 2006

Por Mariana Vieira e Tatiana Duboc

12 comentários:

mbeatriz disse...
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mbeatriz disse...
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mbeatriz disse...
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mbeatriz disse...

De fato, muitas produtos são vendidos na farmácia sem qualquer controle. Meu trabalho foi sobre os substitutos do leite materno que assim como os nutracêuticos ficam disponíveis nas prateleiras das farmácias para quem quiser comprar. Mas esses produtos oferecem riscos muitas vezes desconhecidos. Para os leigos uma formula infantil pode parecer mais forte que o leite materno e melhor para o bebê assim como os nutracêuticos por serem naturais são vistos como bons para a saúde sem oferecer qualquer rico para os consumidores. Deveria-se fazer controle rigoroso desse tipo de venda. Infelizmente não é o que vemos.

Maria Beatriz Rangel Ramos (Blog BabyFood)

nanda disse...

Muito interessante a sua postagem, eu particularmente não conhecia muito sobre nutracêuticos. Mas o que mais me chamou atenção foi o fato de serem “produtos naturais vendidos em farmácias com um fim terapêutico”, mas não terem bula nem exigirem prescrição. Dessa forma facilita-se, e muito, o consumo abusivo e indiscriminado. O meu trabalho foi sobre corantes que apesar de ser um assunto bastante divulgado, não se tem uma legislação que obrigue os fabricantes a informarem a quantidade de corantes adicionados aos produtos. Levando-se a um consumo abusivo já que os corantes estão presentes em diversos alimentos do nosso cotidiano. Alguns corantes são naturais, mas ao serem ingeridos em grandes quantidades podem gerar alergias, intoxicações e danos mais sérios o que deve ser passível de ocorrer com os nutracêuticos. Devendo então ter uma atenção maior por parte das autoridades.

Jacqueline Souza disse...

As pessoas realmente acreditam que por usarem produtos naturais estão isentas de qualquer risco clínico. A verdade é que falta informação e conhecimento da população e é neste momento que a atenção farmacêtica faria toda a diferença.
Produtos naturais sofrem alterações em seus efeitos farmacológicos de acordo com o plantio, clima, ou época do ano em que foi cultivada e isso influenciará diretamente na ação terapêutica ou efeito colateral que o produto causará.
A postagem chamou a atenção da população quanto aos riscos que um nutracêutico pode oferecer, mostrando o papel do farmacêutico!

Unknown disse...

Por esses produtos estarem sendo vendidos em farmácis e mercados sem qualquer tipo de controle, o uso abusivo e indiscriminado leva a diversos efeitos colaterais; causando danos sérios aos consumidores que os utilizam abusivamente, como por exemplo a desnutrição. O blog foi muito informativo para saber a negligência da legislação brasileira em relação aos nutracêuticos. Pois, além de sua venda indiscriminada, muitas empresas(que os produzem)os registram como alimentos, devido a uma maior facilidade da obtenção do registro de alimentos em relação ao de medicamentos ( que exige mais testes, comprovações e documentos). Carolina Castro (blog de alimentos funcionais)

Transgênicos disse...

Ao analisarmos todos os produtos disponíveis para o consumo notaremos que a legislação é falha em quase, se não todos eles. O que pude notar com o comentário dos colegas é a indignação. Isso porque, como farmacêuticos, profissionais da saúde, sabemos o quão perigosa é a automedicação. Esses produtos "naturais" são vendidos sem qualquer controle, geralmente o consumidor ouve falar do vizinho, na televisão, do artista, que tal produto é bom e sem qualquer tipo de avaliação médica compra o produto sem saber os riscos reais que esses produtos podem causar. A informação é chave para que situações como essa deixem de ocorrer, e ela garantirá ao consumidor o direito de escolha. Cecília

Stéfano Fiúza disse...

Mais uma brecha na Lei...
Disfarça como extrato, concentrado e divulga como natureba. Opa, não pode fazer mal..
E vem gente reclamar dos sintéticos.

Veja bem, um sintético tem aquele princípio ativo, muito estudado, e pronto..
Nessas cápsulas com extratos, etc, tem milhares de substâncias alêm do princípio ativo.
.
O salgueiro, por exemplo, produz ácido salicílico. Este ácido já foi empregado contra dor de cabeça, inflamação, etc.. Hoje ele foi modificado e tem o nome-fantasia de Aspirina, que todos conhecem. Prefere tomar chá de salgueiro pq é natural? Legal, mas vai tomar mil outras substâncias que ninguem nem sabe que está lá.. (isso sem falar que o tal ácido, na forma natural, faz muito mal para o estômago)

Mariana Vieira disse...

Na verdade nosso intuito nesse trabalho não foi ressaltar apenas pontos negativos, mas mostrar que realmente o que falta é a população se conscientizar de que essa história de natural não faz mal está ultrapassada há muito tempo, tendo em vista todo o acesso à informação que temos hoje em dia. É papel do farmacêutico zelar pela saúde da população, mas também é dever da população cuidar de si mesmo e lutar pelos seus direitos, como por exemplo exigir a bula desse produto. O que tem-se, no caso desse exemplo, é um aproveitamento, por parte dos fabricantes, da situação de muitas mulheres, na maioria jovens, que hoje em dia querem emagrecer e não medem esforços para isso. Muitas vezes quando um médico não aceita passar uma receita de emagrecimento jovem que se acha gorda faz uso desse tipo de produto para emagrecer (que na verdade não é o fim a que o produto se destina, uma vez que é hipoglicemiante), assumindo todos os riscos que isso pode acarretar. É nesse momento que o nutracêutico pode vir a ser prejudicial à saúde e é onde o farmacêutico deve entrar - na conscientização da população, afinal a informação é o melhor remédio.

Julia rodrigues disse...

Pelo fato dos nutracêuticos aparentarem um medicamento, a maioria das pessoas que os consomem não devem se atentar pra pensar que este produto está registrado como um alimento, e portanto, não tem os requisitos necessários que um medicamento tem para estar no mercado, oferecendo o máximo de segurança pra população. Este produto vendido como suplemento alimentar, mas com promessas de resultados de um medicamento , sem nenhuma comprovação cientifica é uma falta de respeito com os consumidores, e para aqueles que os consomem mesmo sabendo dos riscos que estão correndo é uma negligência consigo mesmo, então, cabe a legislação zelar pela segurança da população e implantar regras mais criteriosas pra esses produtos , para que as pessoas não interpretem de maneira errônea como medicamentos, uma vez que são alimentos.

Karen Vieira disse...

A questão é que a maioria dos fabricantes de nutracêuticos se utiliza da influência que a mídia, sites da internet e o próprio rótulo dos produtos têm para estimular o consumo, algumas vezes de forma equivocada e sem base científica, tanto para a prevenção como tratamento de doenças.
É muito importante deixar claro para o consumidor a diferença entre o nutracêutico e o medicamento e, nesse contexto, o papel do farmacêutico é de suma importância, já que ele é o profissional que está no local onde são vendidos esses produtos e é apto a exercer a orientação farmacêutica e esclarecer as dúvidas do consumidor. Além disso, é necessária uma legislação mais clara, específica, rigorosa e que não dê brechas para interpretações errôneas.